Segurança alimentar motiva pesquisa com camarões do litoral alagoano

Consumo do crustáceo congelado há mais de 90 dias pode ter riscos à saúde; cascas servem como suplemento alimentar

25/08/2017 15h15 - Atualizado em 29/08/2017 às 16h17
Alíquotas de 30 g de filé  e 15 g de casca dos camarões L. schmitti, F. subtilis e F. brasiliensis coletados na costa de Maceio

Alíquotas de 30 g de filé e 15 g de casca dos camarões L. schmitti, F. subtilis e F. brasiliensis coletados na costa de Maceio

Thamires Ribeiro – estagiária de Jornalismo

Com foco voltado para segurança alimentar, a professora Ana López, do Instituto de Química e Biotecnologia da Universidade Federal de Alagoas (IQB-Ufal), e dois orientandos do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (Pibic) analisaram os tipos de carotenoides em espécies de camarões que habitam no litoral alagoano. Essas substâncias são conhecidas por combater os radicais livres, que estão associados ao envelhecimento. Além disso, testaram a qualidade desses crustáceos no que diz respeito aos microrganismos neles presente.

Durante a pesquisa, que teve início com a professora Giselda Lira, da Faculdade de Nutrição (Fanut), foram estudadas três espécies: a Farfantepenaeus brasiliensis e a Farfantepenaeus subtilis, que são de camarões rosas; e a Litopenaeus Schmitti que é uma espécie de camarão branco. Nelas foram identificados e quantificados os carotenoides, que de acordo com a professora, não são substâncias produzidas pelo camarão, mas sim armazenadas em função deles ingerirem algas, bactérias e resíduos de partes aéreas de plantas que contém essas moléculas.

 “Nós observamos o que havia de diferente acontecendo entre as espécies, em diferentes estações do ano e períodos de congelamento. E em paralelo, avaliamos a atividade antioxidante e comparamos com outras classes de antioxidantes que podem ser utilizados em alimentos. O estudo foi repetido em duas estações do ano, com espécies adquiridas no mercado de pescado da praia de Ponta Verde, imediatamente após a chegada dos pescadores. Fizemos a separação de filé e casca, como no estudo prévio da professora Giselda, as amostras foram cozidas ou não, e em seguida foi feito o armazenamento sob congelamento durante 45 e 90 dias”, explicou López.

Simultaneamente, foi feito o isolamento de microrganismos das amostras. “Felizmente não foram encontradas bactérias psicrotróficas [capazes de se multiplicar em baixa temperatura], e apenas nas amostras que ficaram 90 dias sob congelamento a concentração de mesofílicas totais [que se desenvolvem melhor em temperatura moderada] ultrapassou o limite máximo de qualidade definido para pescado, sendo detectadas cinco espécies histaminogênicas”, concluiu. Para a docente, nas amostras que permaneceram até 45 dias sob congelamento, não houve preocupação do ponto de vista da segurança alimentar, “uma vez que o número de colônias foi inferior ao limite estabelecido pela legislação”.

No decorrer dos estudos realizados, Ana López verificou que “para as três espécies de camarões estudadas o cozimento concentrou o teor de carotenoides, antes complexados com proteínas, e que nas cascas já era superior ao dos filés em face do teor de água originalmente presente nestes. Porém, esse tratamento reduziu ligeiramente a atividade antioxidante”, sendo que tal diminuição acentuou-se após 45 dias de armazenamento das amostras das três espécies a -17°C. “Provavelmente, porque a estabilidade dos carotenoides foi alterada”, explicou.

Além disso, foi concluído que “as amostras das espécies pescadas no período de setembro apresentaram concentrações de carotenoides e atividade antioxidante levemente diferentes daquelas obtidas em janeiro, mostrando que a sazonabilidade influenciou na qualidade nutracêutica [nutrição + farmacêutica] do camarão, em especial porque tal classe de pigmento antioxidante depende da oferta de algas no ambiente marinho”.

 “Nas condições de higiene, desde o ambiente de coleta dos camarões até sua manipulação para a comercialização, ocorre contato e absorção de água, que pode estar contaminada por microrganismos, e mesmo após o breve cozimento, o armazenamento prolongado a baixas temperaturas favorece a proliferação daquelas formas que estavam latentes. Enfim, quanto mais subsídios para se conhecer a qualidade de um alimento, melhor se torna o controle, e mais saudável é o produto que chega até o consumidor”, declarou a docente.

Pesquisas continuam e já foram reconhecidas

Segundo a professora, os trabalhos foram divididos por áreas de estudo. Enquanto a estudante de Química, Flávia Adaís, realizava a identificação e quantificação do carotenoide predominante, nominado astaxantina, e suas respectivas atividades antioxidantes, o estudante de Ciências Biológicas, Everton Martins, se dedicou a isolar bactérias histaminogênicas e mesófilas totais nas amostras in natura ou cozidas, armazenadas ou não sob longos períodos de congelamento. Ele testou a possível atividade antimicrobiana de espécies de pimentas, com diferentes concentrações de antioxidantes, sobre tais bactérias.

Pela participação no referido projeto, a recém-egressa, Flávia Adais, recebeu certificado de excelência acadêmica, e utilizou tal tema para elaborar seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), que foi defendido ano passado. Recentemente ela foi nomeada para a vaga de técnico em Química no Centro de Ciências Agrárias (Ceca).

Everton Martins decidiu seguir a mesma linha de pesquisa para desenvolver seu TCC. Ele passou a trabalhar com diferentes tipos de pimentas utilizadas no preparo de camarões, testando a atividade antimicrobiana de seus extratos hidroetanolicos contra as bactérias que foram isoladas dos camarões estudados. Apesar da baixa concentração desses extratos, as pimentas rosa e malagueta foram capazes de inibir moderadamente quatro das cinco bactérias testadas, e ainda apresentaram maiores teores de compostos fenólicos, flavonoides e atividade antioxidante que as demais estudadas.

 “De uma certa maneira, a capacitação desses dois alunos no projeto também foi bem aprimorada, visto que não apenas participaram do Pibic, mas terminaram por desenvolver os respectivos TCCs, e como Flávia Adaís se formou no início deste ano, um aluno do 2º período de Medicina, Elvys Pereira, a substituiu no projeto para avaliar a atividade antimicrobiana dos carotenoides previamente isolados, diferente de Everton que avaliou as especiarias”, ressaltou Ana López.

Cascas dos camarões como suplemento alimentar

A professora destacou a importância desse tipo de pesquisa para a sociedade em geral: “Nós precisamos estudar a segurança dos alimentos que consumimos, e pescado é algo que os alagoanos consomem bastante. Precisamos entender suas funcionalidades e se esses alimentos são seguros para serem consumidos. Quando analisamos a parte de microbiologia, um dos objetivos foi garantir que, de tal ponto de vista, esse alimento pode ser consumido sem problemas”. Ela ressaltou ainda que a Secretaria de Estado da Saúde de Alagoas (Sesau) deveria manter um trabalho permanente de coletas, análises e divulgação dos resultados alcançados para toda a população.

Pensando no ponto de vista funcional, Ana López afirmou que todos precisamos conhecer bem a composição dos alimentos. “Os antioxidantes, por exemplo, podem combater radicais livres [moléculas, que em excesso podem ser tóxicas ao nosso organismo], favorecendo os sistemas vascular e cardíaco. Por isso é interessante que a população saiba que está consumindo algo que tenha também essa finalidade”, declarou.

De acordo com a professora, as cascas dos camarões que geralmente são dejetos e acabam poluindo o meio ambiente, poderiam alcançar outra finalidade, a de suplemento alimentar. “Extrair da casca de camarão o carotenoide astaxantina, desde que não esteja contaminado com impurezas alergênicas, lhe dá uma finalidade nutracêutica, e de certa forma contribui para reduzir o volume de um tipo de poluente orgânico”, esclareceu.

A docente explicou ainda que apesar de popular na dieta, a produção de camarões no Brasil é bem inferior ao que poderia ser. “Se a gente comparar o Brasil com outros países que têm uma costa litorânea muito menor do que a nossa, estimulamos pouco o setor pesqueiro, e Alagoas menos ainda”, declarou. Segundo ela, nós temos uma demanda muito grande de exportação, e por isso poderia haver maior incentivo ao setor. “Talvez entre tantas razões, uma seja a logística de higiene alimentar requerida pelos mercados externos, porém, se sanada, criaria muitos empregos, inclusive de nível superior na área de análises”, complementou.