Música erudita na Bienal: teatro lotado e orquestra ovacionada

Repertório foi um passeio pela música de várias épocas, partindo do Romantismo até a música nordestina

07/10/2017 17h16 - Atualizado em 22/11/2021 às 09h05
Entre uma peça e outra, Débora Borges resgatou sua função de professora de música e transformou o Teatro Gustavo Leite numa grande sala de aula em que cada espectador se tornou seu aluno (Fotos: Thiago Prado)

Entre uma peça e outra, Débora Borges resgatou sua função de professora de música e transformou o Teatro Gustavo Leite numa grande sala de aula em que cada espectador se tornou seu aluno (Fotos: Thiago Prado)

Marcio Cavalcante – jornalista

Apresentando uma nova fase sob a condução da maestrina Débora Borges, na noite desta quinta-feira (5), a Orquestra Sinfônica da Universidade Federal de Alagoas (Osufal) lotou o Teatro Gustavo Leite, nas dependências do Centro Cultural e de Exposições Ruth Cardoso, em Maceió, com o projeto Quintas Sinfônicas, incluso na programação da 8ª Bienal Internacional do Livro de Alagoas. A noite contou com a participação da reitora Valéria Correia e do vice-reitor José Vieira, além de uma plateia diversa. Para muitas pessoas, aquela foi a primeira oportunidade de suas vidas de ver uma orquestra tocar e de ouvir um concerto sinfônico. O repertório foi um passeio pela música de várias épocas, partindo do Romantismo até a música regional, caracterizada pela marcante harmonia nordestina.

A reitora falou sobre a satisfação em apresentar o Quinta Sinfônica da Osufal como parte da programação da 8ª Bienal e destacou o trabalho realizado por Débora Borges. “Além de conduzir a Orquestra Sinfônica da Ufal, a nossa maestrina tem a responsabilidade de preparar também a Orquestra Pedagógica da Universidade. E, como vimos nesta noite, Débora mesclou os conceitos das duas orquestras, porque tínhamos um público que pela primeira vez ouvia e assistia a uma orquestra, o que resultou numa escolha muito feliz”, congratulou.

Já a maestrina, falou da felicidade em participar da programação da Bienal. “Poder trazer a Orquestra Sinfônica da Universidade para um espaço rico como este é muito gratificante porque estamos lidando com um público muito diverso, de idades muito variadas, de lugares muito diferentes daqui de Maceió”, ressaltou. “É gratificante trabalhar a educação desta plateia, no sentido de fazê-la entender o funcionamento de uma orquestra e de como o repertório acontece, para que esta plateia não fique com a ideia de que música erudita é chata. Chato é não entender o que se ouve num concerto. Porém, nós, enquanto universidade, temos a missão de levar esse conhecimento para o público”, defendeu Débora Borges.

A mestrina destacou a nova fase de reestruturação da Osufal e de como tem sido importante o apoio da Pró-reitoria de Extensão e da Gestão da Ufal, na manutenção deste equipamento de cultura da Universidade, que é a orquestra. “Para ter uma ideia, em abril último, tínhamos 13 músicos no palco num concerto realizado no Teatro Deodoro, e hoje temos 40!”, disse entre risos de felicidade. “Então, é muito bom receber esse carinho e esse cuidado porque, se não fosse esse apoio, realmente não saberíamos os rumos que teria tomado a Osufal. E, para mim, enquanto professora do curso de graduação, poder trabalhar com esses jovens é mais que gratificante, além de atuar neste processo de reestruturação da Osufal”, gratificou-se.

Musicalidade atraente: a mistura de música sinfônica com a sonoridade da cultura local

O concerto teve uma abertura acertadamente convidativa, sob a condução do maestro Rivaldo Souza, que apresentou uma série de arranjos de sua autoria. AbriçãoMarcha de Rua e Entrada de Guerra cujas melodias têm por base o cancioneiro popular nordestino, passando pelas cantigas populares e melodias folclóricas, evocaram a identidade nordestina da plateia.

Em arranjos de uma sonoridade tão delicada e clara como uma peça de renda fiada por uma bordadeira de bilros no sertão alagoano, os arranjos do maestro Rivaldo Souza recorreram à tradição nordestina dos folguedos, a exemplo do pastoril, figurado por um pequeno corpo de baile, que com ares pueris de uma infância brejeira representou com cores e danças as melodias que povoam o imaginário de qualquer alagoano. No arranjo, os violinos duelaram as melodias com os metais da orquestra sob a cadência dos contrabaixos e da percussão, fazendo lembrar o canto responsivo dos trabalhadores da cana-de açúcar que ainda hoje travam batalhas contra canaviais densos e perversos Nordeste adentro.

O repertório da noite: uma viagem por tempos e lugares, sensações e visitas ao imaginário

Ao optar por uma apresentação em formato de concerto didático, isto é, uma apresentação em que se mostra detalhadamente como funciona uma orquestra, os setores em que se divide, as características físicas e sonoras de cada instrumento, e sobretudo o contexto em que foram compostas as peças musicais escolhidas para a apresentação, Débora Borges, promoveu um passeio pela história da música, fazendo o público perceber que cada época teve um significado importante e de uma peça musical composta há centenas de anos pode emocionar pessoas o século 21 da mesma forma que comoviam aqueles que tiveram o privilégio de conviver com seus compositores nos idos de 1800.

Assumindo a batuta na segunda parte do concerto, a maestrina Débora Borges, apresentou a abertura do concerto The Hebrides, Opus 26, composto pelo alemão Felix Mendelssohn, em 1830. E em seguida os três primeiros movimentos da suíte Peer Gynt, Opus 46, composta em 1867 pelo norueguês Edvard Grieg. Ambas as peças são representantes inegáveis do Romantismo na história da música, uma época em que os compositores colocavam em suas obras todo o sentimento humano reprimido ao longo de séculos em que não apenas a música, mas toda a arte foi produzida exclusivamente para finalidades sacras, como no período Barroco, por exemplo.

Concerto didático: explicando a composição de uma orquestra, um convite à diversão

Entre uma peça e outra, Débora Borges resgatou sua função de professora de música e transformou o Teatro Gustavo Leite numa grande sala de aula em que cada espectador se tornou seu aluno. Então, passou a explicar sobre notas musicais, instrumentos e seus porquês, sonoridades e compositores de cada época, além das curiosidades que envolvem as composições do repertório escolhido.

E para vivenciar no próprio corpo a experiência sensorial da música ao conduzir uma orquestra, a maestrina convidou voluntários entre a plateia para assumir a regência. Na falta de um, Débora Borges, recrutou a própria reitora Valéria Correia, que prontamente ocupou o palco e, como boa aluna, seguiu os passos da sua nova mestra.

Ao final do concerto, a reitora, que é doutora em Serviço Social, comentou o experimento de, em segundos, se tornar maestrina. “Foi uma experiência maravilhosa!”, sorriu. “Essa didática da maestrina Débora me fez sentir uma aprendiz de regente, ainda sem a coordenação motora necessária, mas foi uma experiência ímpar na minha vida. É como voltar a ser criança e ter de aprender os movimentos mais elementares”, concluiu entre risos.

Substituindo a reitora, surge altiva da plateia Ana Olívia, voluntariamente e do alto dos seus seis longos anos de idade. A pequena, que já é aluna do Laboratório de Violino do curso de Música da Ufal, arrancou sorrisos e aplausos da plateia ao conduzir a Osufal (muito bem, obrigado!) sobre uma cadeira emprestada por um dos músicos.

A noite de concerto provou que música erudita é também diversão, e terminou assim: em clima de descontração e alegria, alargando sorrisos entre reitores e arrancando suspiros em quem mal tem altura para segurar uma batuta, mas já carrega no coração pequenino o sonho de encher o mundo com o bem restaurador e curativo da santa e divina Música.