Comunidade acadêmica da Ufal em Palmeira dos Índios destaca conquistas com a interiorização

Relatos de alunos e servidores demonstram mudança na rotina da cidade e de municípios vizinhos

20/09/2016 11h57 - Atualizado em 21/09/2016 às 16h40
Professor Parmênides, coordenador da UE Palmeira dos Índios

Professor Parmênides, coordenador da UE Palmeira dos Índios

Thâmara Gonzaga - jornalista

Terra marcada pela presença e forte tradição dos índios Xukuru-Kariri e que já teve como prefeito um dos maiores escritores do Brasil, o alagoano Graciliano Ramos, a cidade de Palmeira dos Índios ganhou mais um importante marco referencial em sua história com a chegada das ações de ensino, pesquisa e extensão ofertadas pela Universidade Federal de Alagoas em setembro de 2006.

Inúmeros foram, e são ainda, os desafios de se levar a realidade acadêmica para o interior do Estado. Mas, após uma década de implantação da Unidade de Ensino da Ufal na cidade que concentra um dos maiores índices populacionais de Alagoas, os relatos de estudantes e servidores demonstram uma mudança na vida dos moradores do local e de municípios vizinhos, sobretudo, da parcela mais jovem da população.

“A relevância da interiorização está em poder proporcionar aos jovens de nossa cidade a capacidade de lutar por um futuro melhor, pela esperança em dias melhores, tendo em vista a realidade econômica de muitos brasileiros. Consequentemente, essa realidade também implica em uma mudança cultural, pois a cultura do nosso interior estava pautada na saída dos jovens para outras cidades em busca de estudo de qualidade. Hoje, vivenciamos isso em nossa terra”, relata a ex-aluna do curso de Psicologia, Alessandra Magalhães, ao lembrar que, hoje, pessoas de cidades vizinhas procuram a cidade de Palmeira para se qualificar.

Assim como fez a graduada em Serviço Social, Priscila Jucielle. Residente em Maribondo, ela viajava cerca de 40 minutos para estudar. “Foi uma das melhores experiências que já tive, pelo fato de estar realizando meu sonho que era ingressar em uma universidade pública e federal. Muitas coisas foram marcantes, mas a sensação de passar no vestibular na Ufal, acredito que é a mais marcante de todas”, conta a assistente social já formada ao lembrar o início da graduação em 2009. “As lutas, os trabalhos apresentados, as pesquisas realizadas, as amizades sendo cultivadas ao longo dos quatro anos, o conhecimento adquirido com excelentes professores que tínhamos e a reta final até a colação de grau que, com certeza, são inesquecíveis”, completa.

Priscila conta que, “mesmo não sendo o curso que sonhava em fazer”, todos os momentos vividos foram válidos e muito gratificantes. “Decidi cursar, pois não tinha condições financeiras de ir para Maceió. Fui bolsista durante dois anos, lá conquistei não só conhecimento, como pude ativar meu senso crítico e, acima de tudo, conquistei amizades verdadeiras que cultivo até os dias atuais”, conta a ex-aluna que, atualmente, trabalha como assistente social no Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas) da cidade onde mora.

Ela recorda que, mesmo morando próximo, a rotina não era fácil. “O carro em que andava nem sempre estava em boas condições e o cansaço por ter que viajar todos os dias, sair de casa às 6h10 e só voltar às 19h30. Essa era a minha rotina de, pelo menos, três dias na semana”, contou.

Ao avaliar o processo de interiorização, Priscila aponta algumas dificuldades e desafios, a exemplo da estrutura física. “Em dias muito quentes, chegamos a estudar na grama em um corredor aberto. Mas com muitas lutas, várias conquistas foram alcançadas, tanto por nós alunos como os professores e todo o pessoal que faz parte da Unidade”, relembra ao reforçar a importância da chegada da Ufal no interior. “Foi de suma importância para o ingresso de alunos que não podem se deslocar para a capital, para poder ingressar em um ensino público federal e de qualidade, e também para o crescimento socioeconômico do local na qual estava sendo implantada”, afirmou.

Ufal no interior: desafios, transformações e conquistas

O coordenador da UE, professor Parmênides Justino, também cita a estrutura física como um dos desafios da interiorização. “Os problemas estruturais estão sendo resolvidos e a comunidade enfim poderá se preocupar apenas em produzir ciência e cultura. Com a chegada de Valéria Correia à reitoria, ela tem cumprido os compromissos de campanha e dado atenção especial. Descentralizou o recurso da infraestrutura e já autorizou a ambientação da unidade junto à Sinfra. Assim que concluirmos os reparos da fundação do prédio, vamos fazer jardinagem e arborização. Também conseguimos canos, mangueira e uma caixa d'água para a horta comunitária, cujo projeto está sendo feito pelas alunas do curso de Agronomia da sede Arapiraca”, esclareceu.

Atualmente, a Unidade de Ensino da Ufal em Palmeira dos Índios oferta os cursos de Serviço Social e Psicologia, com um total de 250 estudantes matriculados. Segundo Parmênides, a equipe da UE está trabalhando em um projeto de mestrado na área de políticas públicas. Para o coordenador, a interiorização “contribuiu muito na formação de mão de obra de uma parcela da população que não teria condições de deslocamento, principalmente, da zona rural”. “Hoje, temos psicólogos e assistentes sociais espalhados pelo Agreste, Sertão e capital, desde o serviço público ao privado, alunos mestres e mestrandos em outras instituições de pós-graduação”, destaca.

Para a docente do curso de Psicologia, Fernanda Simião, um dos legados a ser destacado com a interiorização da Ufal é o acesso aos serviços oferecidos pela instituição. “Isso tem gerado ganhos na produção científica e beneficiado os moradores da região, com a promoção de cursos, palestras e eventos. Além disso, temos a inserção dos alunos nos campos de estágio nas mais variadas áreas de atuação, bem como a população pode ser beneficiada pelo atendimento prestado na nossa clínica-escola de Psicologia, por exemplo, que atende crianças, adolescentes, adultos e idosos”, diz a docente que também coordena o projeto de extensão Psico Risos que atende a crianças em hospitais públicos do interior.

Fernanda também assinala as mudanças estruturais que ocorreram na cidade ao longo desses últimos dez anos. “Foram feitas para atender a essa nova demanda gerada pela Universidade, o que fica evidenciado pelas construções que foram surgindo no entorno da Unidade Educacional, pelas ruas asfaltadas e pelo aquecimento do comércio”, enumera.

Com a formação dos estudantes, a docente ressalta que se preenche uma carência de profissionais na localidade. “É muito importante qualificar pessoas para trabalhar no contexto da sua própria cidade de origem ou nas cidades circunvizinhas, diminuindo a necessidade de 'importação' de profissionais de Maceió. Assim, nossos alunos não precisam se deslocar para a capital nem para estudar nem para trabalhar”, argumenta. “O grande ganho com isso é que eles podem realizar uma atuação contextualizada, pertinente com o território, por conhecerem as demandas e os modos de funcionamento do município em que residem, bem como as dificuldades da população, visto que eles têm uma compreensão de como é a vida no interior, o estilo de vida e o ritmo próprio da cidade”, complementa.

As mudanças culturais e estruturais na cidade são outros legados apontados pela professora. “Considerando o impacto que é receber uma universidade federal, a cidade tem recebido pessoas de fora que vêm morar em Palmeira dos Índios seja para estudar, seja para trabalhar. Com isso, foi necessária ser criada uma estrutura para acolher alunos, professores e técnicos que fazem uso dos serviços oferecidos pelo município”, lembra.

A realização do sonho do ensino superior e a satisfação em desenvolver pesquisa na Ufal

A trajetória de Alessandra Magalhães confirma os relatos do coordenador Parmênides e da docente Fernanda Simião. Ela ingressou na Ufal em 2008 e, atualmente, concilia o trabalho de psicóloga do programa 'Melhor em Casa', em Palmeira dos Índios, com o mestrado em Saúde Mental.

A ex-aluna lembra que, se não fosse a interiorização, não seria possível cursar o ensino superior. “Sempre fui estudante de escola pública e sempre tive o sonho de ingressar na universidade federal, mas conhecia as limitações financeiras de minha família em custear uma faculdade na capital e sentia esse sonho como algo impossível de ser realizado. Com a interiorização, o sonho, não apenas meu, mas de muitos palmeirenses e de pessoas da região, começou a se tornar realidade”, diz. “Afirmo que, mesmo aos trancos e barrancos, com as lutas necessárias para uma melhor estrutura física e melhores recursos, tive o privilégio de receber um ensino de qualidade, tudo isso fruto de muita luta dos docentes e discentes que estavam empenhados em concretizar o meu sonho e o de muitos”, reconhece.

Ao falar sobre o corpo docente da Unidade, Parmênides Justino ressalta que é “composto de muitos professores críticos, principalmente, ex-alunos prata da casa” e que isso reflete na formação que os estudantes recebem. “Em Palmeira, a unidade está totalmente voltada para aproximação entre teoria e prática. Nossas pesquisas e extensão são voltadas para a questão indígena, quilombola, rural, políticas públicas e movimentos sociais”, pontua.

E essa experiência entre o ensino e a prática, por meio da pesquisa, é evidenciada por Alessandra ao falar sobre momentos vividos no ambiente acadêmico. “Poder participar como bolsista pesquisadora foi uma experiência única. Poder ir a campo, conhecer de perto a realidade dos moradores da minha cidade e sentir como suas necessidades eram gritantes por um olhar mais humano. Consequentemente, ampliar meus conhecimentos, sair da teoria e sentir isso na prática da pesquisa, foi muito importante”, conta. Segundo ela, outras experiências foram os ganhos com produções científicas. “As oportunidades de expor em congressos nacionais, mostrar nossa realidade e trazer inovações para possíveis práticas foram experiências essenciais que refletem na minha prática hoje”, constata.

Além do impacto em sua vida pessoal, a psicóloga reconhece as mudanças na cidade. “Outro ponto importante é o impacto estrutural que se iniciou no bairro Vila Maria, onde a Universidade foi estabelecida. Mudanças que foram necessárias para melhor acolher alunos e professores de outras cidades e regiões e que implicam diretamente no desenvolvimento da nossa cidade”, disse.

Consciente do poder multiplicador da educação, Alessandra ressalta a fundamental contribuição de cada aluno que concluiu o ensino superior por meio da interiorização. “Acredito que quando saímos da Universidade passamos a ser sementes que irão logo dar frutos do ensino e das experiências vivenciadas por lá, isto é, somos multiplicadores. E isso é extremamente favorável à nossa cidade e às cidades de alguns alunos, pois espera-se que a população se beneficie com o reflexo desse ensino e de nossa aprendizagem da melhor maneira, através das lentes do amor, da empatia e da prática mais humana”, afirmou ao defender a importância da universidade pública. “A luta por uma universidade de qualidade é uma luta constante, e essa deve ser encarada com fé, para alcançar essa vitória”, concluiu.