Estudantes conectados: ativismo nas redes fortalece a mobilização da comunidade universitária

Pesquisador em Comunicação destaca que a internet é um novo espaço público para o ativismo social

10/08/2016 10h26 - Atualizado em 22/11/2021 às 09h05
Estudantes de arquitetura da Ufal que mobilizaram a campanha #NãoÉNormal

Estudantes de arquitetura da Ufal que mobilizaram a campanha #NãoÉNormal

Lenilda Luna - jornalista

As redes sociais permitem uma verdadeira pulverização de perfis institucionais, de grupos e individuais. Na Ufal, eles se multiplicam rapidamente, com várias motivações: divulgar, protestar, agregar pessoas, etc. Além dos perfis oficiais, no Instagram (@ufaloficial), no Facebook (https://www.facebook.com/ufaloficial/) e no twitter (@UfalOficial), basta uma rápida pesquisa pela palavra Ufal para encontrar vários perfis e páginas, de grupos de pesquisa, estudantes, servidores, coletivos culturais, políticos e sociais.

Uma das questões levantadas pelos comunicadores é como filtrar e organizar tanta informação. Os benefícios para uma comunicação rápida e sem custos são evidentes, mas a confusão com mensagens falsas ou mal apuradas também é expressiva. Na assessoria de comunicação da Ufal, a proposta é dialogar com os vários perfis ligados à instituição, para criar um relacionamento colaborativo, que evite ruído na mensagem. "Foi o que fizemos ao convidar os estudantes do perfil @souufal no Instagram para conversar. Eles estavam usando o brasão da Ufal e reproduzindo uma hashtag criada pela coordenação de redes da Ascom, o que criou uma certa confusão com o perfil oficial. Mas bastou uma conversa para resolvermos o problema", esclareceu Lídia Ramires, coordenadora da Assessoria de Comunicação da Ufal.

Os responsáveis pelo perfil @souufal no Instagram, os estudantes de Química Licenciatura, Edimar Viana e Alberto Jorge Gomes, disseram que a intenção deles foi ampliar o alcance da campanha #SouUfal. "Nós criamos nosso perfil para ajudar a divulgar, a multiplicar, já que o perfil oficial não consegue reproduzir todas essas fotos. Nossa intenção foi colaborar e como estamos mais perto dos estudantes, dar mais voz ao que acontece no universo estudantil", explicou Edimar. Os estudantes concordaram em tirar o brasão oficial e continuam reproduzindo as fotos com #souufal e tirando fotos próprias.

Segundo o pesquisador Sivaldo Pereira, doutor em Comunicação, não há uma lei específica que trate do uso de imagens retiradas da Internet. "Valem as atuais normas de propriedade intelectual que já existiam antes. A principal delas é a Lei da Propriedade Industrial, Lei 9.279/96.  A regra básica é que as marcas e imagens, quando autorais e com propriedade registrada, isto é, quando não são de domínio público, precisam da autorização da instituição ou do autor que detém os direitos para serem utilizadas, replicadas, copiadas ou modificadas. Isso está mais claramente delineado para marcas comerciais. Por analogia ou jurisprudência isso pode valer para o logotipo da Ufal, que é uma autarquia pública", explica o pesquisador.

Campanhas e protestos

As mídias alternativas estão crescendo exponencialmente na internet. Pessoas e grupos encontram nesse veículo uma forma de promover campanhas. Nas redes sociais, são vários os perfis com a finalidade de protestar de forma criativa e colaborativa. São propostas que surgem em alguma universidade do país e se espalham rapidamente. É o caso do perfil @Cosdadepressão. Aliás, esse termo "da depressão" nas redes sociais, tem servido para variados tipos de protestos dos grupos mais diferenciados. A estudante de jornalismo, Joelma Leite, destaca o tom irônico e bem-humorado da campanha. "O objetivo dos perfis 'da depressão' é abordar a realidade do curso, em questão, com bom humor, através de sátiras e memes. Mas, também, é usado como um canal de divulgação de notícias, oportunidades de estágios e informações relevantes para os alunos", destaca a estudante.

A página do Facebook, Cos da Depressão, foi criada em janeiro de 2013, pelos então estudantes de Jornalismo Artur Oliveira, Erick Balbino, Flávio Marcílio e Joelma Leite como um trabalho para obtenção de nota na disciplina de Mídias Alternativas, ministrada pelo professor Freitas. "Quando a fanpage foi criada o retorno e a interação com os alunos eram muito grandem, sendo durante o seu primeiro ano de vida, um dos principais canais de comunicação com o aluno. Professores que não podiam ministrar aula por algum motivo, informavam aos moderadores para que fosse divulgado aos alunos. Comunicados da coordenação eram repassados à página. Quando os alunos tinham alguma dúvida, buscavam informações no Cos da Depressão e até empresas entravam em contato para divulgação de vagas de estágios na área. O retorno e a interação eram massivos", ressalta Joelma.

O desafio, nesses casos, é manter essa interação. Alimentar cotidianamente uma página ou perfil na rede com novidades é uma tarefa que exige pesquisa e tempo. "No caso da nossa fanpage, conforme os moderadores foram se formando, tivemos dificuldades para encontrar novos estudantes para gerenciar a página. Nem todos têm esse comprometimento em buscar as informações que os alunos desejam e criar postagens diárias. Com isso a página perdeu público, mas continua sendo atualizada", conclui Joelma

Outra campanha que movimentou a Universidade nas últimas semanas foi a Não é Normal. A campanha foi desenvolvida por estudantes de Arquitetura e Urbanismo da USP e recebeu a adesão dos estudantes do mesmo curso na Ufal. Além de ganhar espaço nas redes sociais, as denúncias ou críticas usando o mote da campanha se espalharam pelas paredes da Faculdade de Arquitetura, Urbanismo e Design. "O curso de Arquitetura é conhecido por ter uma exigência muito alta de projetos para entregar com prazo reduzido. Isso gera uma sobrecarga de trabalhos estudantis com o qual acabamos nos adaptando, mas com alto custo para nossa saúde e convivência social. Por muito tempo, levamos essa situação na brincadeira, apelidando nosso curso de ‘Arquitortura’, mas a verdade é que não é normal ficar sem dormir, não ter vida social e gastar muito dinheiro com a elaboração dos trabalhos", ponderou Henrique Costa Tenório, um dos mobilizadores da campanha.

As reflexões geradas pela campanha Não é normal também motivaram a organização estudantil. Os coordenadores aproveitaram para mobilizar os estudantes para debater a formação de uma chapa para concorrer ao Diretório Acadêmico do curso. "Estamos sem nenhuma representação acadêmica há dois anos. Os estudantes estão muito ocupados com as tarefas da graduação e não se comprometem com o movimento estudantil. Mas essa campanha estimulou a discussão e a percepção de que algumas questões devem ser resolvidas coletivamente", ressaltou o estudante.

O Diretório Central dos Estudantes também mantem perfis nas redes sociais, que são utilizados principalmente para divulgar eventos acadêmicos, culturais e atos estudantis e políticos. Os estudantes interagem bastante, segundo Bruno Bello, estudante de História do Sertão e coordenador das redes sociais do DCE. "Eles entram em contato para solicitações de ajuda referentes a necessidades específicas de cada curso ou campus, como matrículas não realizadas, disciplinas mal ministradas, denúncias de perseguição de professores, mobilização de abertura do RU, falta de professores e outras reclamações ligadas à parte administrativa da Universidade. Pessoas de outras universidades entram em contato para que possamos ajudar nas divulgações de eventos deles, com isso, podemos fazer parcerias para a integração de lutas ligadas ao movimento estudantil nacional", informa.

Bruno Bello também ressalta a importância das redes sociais para divulgar as bandeiras do movimento. "As redes são importantes para a democratização das informações sobre o DCE ou qualquer outra entidade. São ferramentas que contribuem, primeiro, na aproximação do corpo discente dentro do espaço universitário; segundo, essas informações são importantes para a atualização da vida acadêmica; terceiro, a democratização facilita as relações sociais dentro dos campi da Universidade; quarto, a democratização das informações populariza o próprio sentido e significativo do DCE (Diretório Central Estudantil), o que quer dizer que o DCE torna-se mais conhecido através das mídias sociais", pontua o estudante.

Ativismo Virtual

Para o coordenador das redes sociais do DCE, o ativismo nas redes pode fortalecer a mobilização efetiva nas ruas e universidades. "O ativismo virtual é uma prática já efetivada na sociedade, independentemente de estar ligada ou não ao DCE. A questão é como podemos administrar esse ativismo dentro das redes sociais do DCE. Uma das ações é ter a preocupação de postar conteúdos que chamem a atenção dos estudantes, integrando a divulgação com ações de mobilizações reais. Por exemplo, as manifestações de junho de 2013, que tiveram início pelas redes sociais e tomaram as ruas", lembra Bruno.

O pesquisador Sivaldo Pereira destaca a importância dessas novas formas de protesto e manifestação pública. "Quando saímos às ruas para protestar fazemos um ato simbólico para chamar a atenção da opinião pública, utilizando o espaço público para isso. Neste caso, a rua, a praça etc. Quando as pessoas passam a viver também através da internet, isso naturalmente se tornou um espaço público.  Por isso, devemos pensar nos protestos online não como uma forma de acomodação política, mas como uma nova forma de participação política que não deve ser vista como inferior pelo fato de ser mais fácil do ponto de vista da logística", pondera o comunicólogo.

Neste novo cenário de convivência coletiva, o pesquisador destaca alguns aspectos. "Primeiro, a internet pode ser em muitos casos mais importante do que a rua pela visibilidade que pode dar a uma causa. Há vários exemplos de protestos em redes sociais que forçaram governos a mudarem suas posições, isso sem que ninguém fosse às ruas.  Segundo, a internet não tira as pessoas da rua no caso de protestos: quem vai para a rua continua indo... Não deixa de ir porque protestou no Facebook. Terceiro, os protestos de rua continuam existindo e estes são muitas vezes capitalizados pela divulgação e articulação online. Por isso, devemos pensar menos em uma dicotomia online versus offline e mais em uma sinergia entre as duas coisas. Elas se tornam face de uma mesma moeda quando falamos nos processos de produção da opinião pública contemporânea, principalmente para as gerações de nativos digitais que estão se formando agora", explica Sivaldo Pereira.

A responsabilidade com a informação

Todo estudante de Comunicação Social aprende o quanto é importante checar a veracidade da informação antes de veicular. As fontes da notícia precisam ser confiáveis, porque um dos maiores patrimônios profissionais de um jornalista é a credibilidade. Mas, como conviver com a grande quantidade de informação, muitas vezes não checada, espalhada insistentemente pelas redes? Segundo Sivaldo Pereira, muitas pessoas ainda não perceberam que elas se tornaram canais de informação. "Quando eu compartilho algo, significa que eu estou fazendo a informação passar por mim e ir adiante. Isso me torna um intermediário. E como todo intermediário é preciso haver responsabilidade e ética pois a partir do momento que eu compartilho algo que é inverídico eu sou responsável por espalhar uma visão de mundo distorcida que pode ter efeitos ruins para a vida das pessoas", alerta o pesquisador

Sivaldo destaca ainda que a falta de tempo não pode ser uma desculpa para a quantidade de informação equivocada compartilhada na rede. "Tempo para processar e checar continua existindo.  O relógio é o mesmo. O problema é que a própria natureza das redes sociais criou uma concepção da informação como algo extremamente perecível. Ou seja, quanto mais cedo compartilhar, maior será o valor do meu compartilhamento para a minha rede e isso afeta a forma como eu construo minha identidade. Compartilhar algo que aconteceu há três dias, depois que todos compartilharam, soa como um ato defasado", explica Sivaldo.

O pesquisador reforça a importância de controlar a ansiedade e checar a informação, antes de espalhar pelas redes. "Eu compartilho aquilo que eu gosto ou aquilo que eu gostaria que fosse divulgado, ainda que seja uma crítica a algo que eu não concordo. Assim, quando se combina a minha ânsia de compartilhar algo que reforça a minha identidade com a urgência da publicação devido ao caráter perecível da informação na minha rede, a checagem da veracidade fica prejudicada. Por isso, é preciso atentar para a importância do ato de compartilhar como uma atitude que precisa ser permeada pela ética da checagem, algo que nem sempre ocorre", conclui o pesquisador.