"Estrangeiros têm passe livre, nós pagamos pedágio", afirma Orlandi em mesa sobre internacionalização da ciência

Colonização, globalização e conhecimentos científicos foram os assuntos debatidos

10/12/2016 23h19 - Atualizado em 11/12/2016 às 10h01
Autora integrou mesa-redonda do Caiite junto à professora Belmira Magalhães; Helson Sobrinho mediou o debate

Autora integrou mesa-redonda do Caiite junto à professora Belmira Magalhães; Helson Sobrinho mediou o debate

Mercia Pimentel - jornalista

Convidada para a mesa-redonda intitulada Colonização, globalização e conhecimentos científicos, Eni Orlandi fez uma crítica às fronteiras impostas à produção do conhecimento científico no Brasil. "Estrangeiros têm passe livre, nós pagamos pedágio", afirmou a autora referindo-se à ideologia da colonização científica, segundo a qual a academia abre as portas para a importação de trabalhos acadêmicos reproduzindo um modelo de dependência global.

A discussão aconteceu hoje, no auditório da Reitoria da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) dentro da programação do Congresso Acadêmico Integrado de Inovação e Tecnologia (Caiite).  

Eni Orlandi fez uma discussão ampla sobre o modelo de ciência adotado no país, que é sustentado por regras de validação internacionais. "A ideologia da colonização atravessa as nossas relações. Os de fora entram tranquilamente, mas as nossas fronteiras internas são controladas, vigiadas. Sempre precisamos citar os estrangeiros, mas dificilmente eles nos citam. Ao serem traduzidos, nossos textos sofrem rigorosas censuras, tendo que ser reformulados", frisou.  

Ao falar sobre administração da produção científica, Eni criticou  esse modelo de validação do conhecimento baseado em critérios externos. O problema, conforme a pesquisadora,  não está na validação, mas no modelo da validação que vem de fora, mesmo com a existência de produção científica considerável no Brasil. "Não sou contra o estabelecimento de critérios para validar a nossa produção, mas ao fato de estarmos sempre nesta mão única de adaptar nossa produção aos modelos que vêm de fora", lamentou.

A internacionalização da pesquisa, segundo ela, passa por essa lógica do gerenciamento, na qual se exige do pesquisador que ele produza em série, publique seus trabalhos e os faça circular mundialmente seguindo critérios de validação que são impostos. "O gerenciamento da ciência se sobrepõe à própria produção da ciência numa tentativa de homogeneização", destacou Orlandi.

Considerando essa realidade como um processo de extensão do capitalismo, a pesquisadora destaca que a mundialização da ciência passa, ao mesmo tempo, pela ideologia (liberalismo), por uma moeda (dólar), um instrumento (capitalismo), um sistema político (democracia) e uma língua (inglês).

Responsável  por trazer a Análise do Discurso (AD) francesa para o Brasil, Eni Orlandi traduziu diversos livros do fundador Pêcheux e teve também várias de suas obras traduzidas para o francês, italiano e espanhol. Nas obras Terra à vista, Discurso fundador e História das ideias linguísticas, ela discute o processo e os efeitos discursivos da colonização no Brasil.

Neocolonialismo

Belmira Magalhães, que é pós-doutora pela Universidade Fluminense e professora da Federal de Alagoas, também integrou a mesa-redonda mediada pelo coordenador de Pós-Graduação da Ufal, Helson Sobrinho.

Ela falou sobre globalização, colonialismo  e resistência,  tendo a preocupação de atualizar esses termos no sentido de mostrar que, na contemporaneidade, globalização aparece como uma nova forma de colonialismo, funcionando no sentido de dominação."Esse funcionamento discursivo cria um simulacro, pois o termo globalização gera o efeito de que não há centro, de modo que todos acreditem ser partícipes de um mundo integrado e coeso. Uma ilusão, pois esse novo colonialismo mostra que o capital está presente controlando tudo. As empresas estão aqui fazendo o que o capitalismo avançado precisa; não há cidadãos, mas sim consumidores", salientou.