Campus Arapiraca coloca educação indígena, rural e quilombola em debate

Projeto recupera memória oral de comunidades étnicas historicamente reprimidas

24/12/2015 11h48 - Atualizado em 24/12/2015 às 14h49
Pesquisadora Neila Reis com aluno do grupo de pesquisa no Campus Arapiraca

Pesquisadora Neila Reis com aluno do grupo de pesquisa no Campus Arapiraca

Myllena Diniz – estudante de Jornalismo

Um grupo liderado por professores do curso de Pedagogia do Campus Arapiraca, em parceria com outras graduações da instituição, promove projeto de recuperação da memória oral de comunidades quilombolas, indígenas e do campo. As ações, coordenadas pela docente Neila Reis, buscam intermediar a educação e as suas interfaces entre grupos étnicos reprimidos ao longo da História do Brasil.

A principal atividade do grupo é o evento Educação e Formação Humana, composto por mesas temáticas sobre questões fundiárias, históricas, agroecológicas, culturais, tecnológicas e referentes ao saber. Os encontros contam com a participação de pesquisadores, organizações civis e líderes das comunidades. Em geral, os ciclos de debates ocorrem em datas comemorativas para os grupos analisados, como o Dia da Consciência Negra e o Dia do Índio.

"Nosso intuito é discutir as diversas temáticas da História e as memórias culturais que podem contribuir com a formulação de materiais didáticos e paradidáticos para as escolas. Trata-se de uma reflexão crítica e analítica, dentro do contexto social que sustenta a realidade desses povos", assegurou Neila.

Segundo a pesquisadora, a prática da educação escolar indígena, do campo e quilombola vai além do espaço das escolas e da Universidade. Para ela, a atuação junto a essas comunidades amplia a preocupação com questões culturais, cotidianas e trabalhistas.

“A gente precisa olhar com atenção o modo como os professores estão desenvolvendo a educação diferenciada para esses grupos. É importante verificar se a legislação tem sido respeitada. Precisamos olhar para o quilombo, a aldeia, as comunidades rurais e as escolas como espaços vivos de histórias da comunidade contemporânea, não apenas com a visão folclórica e do passado”, afirmou Neila Reis.

Formação de docentes diferenciados

De acordo com a coordenadora, a grande preocupação do projeto é com a formação de docentes e de profissionais de outras áreas do conhecimento que estabelecem relação direta com as comunidades indígenas, quilombolas e rurais, como no caso dos agrônomos.

"Há um legado cultural pelo qual os remanescentes das aldeias e dos quilombos vêm lutando. O século 19, por exemplo, foi muito desastroso para os indígenas, pela opressão a sua identidade étnica. A política de aldeiamentos e desaldeiamentos foi muito nociva, assim como a destruição das malocas indígenas foi um genocídio cultural. Então, temos o desafio de associar a educação tradicional à diferenciada, que respeita o calendário e as tradições desses povos", salientou Neila.

Diante desse panorama, a memória oral tem sido a ferramenta mais importante para o resgate da cultura e da história dos antepassados. Os relatos, transmitidos a cada geração, mantêm vivas as tradições daqueles que, por séculos, tiveram seus direitos ameaçados. "Por meio da memória oral, os caciques trazem um pouco dessa luta e dessa trajetória dos povos indígenas pelo acesso à terra. O mesmo acontece com os remanescentes quilombolas e rurais ", reforçou a coordenadora do projeto.

De acordo com a pesquisadora, o docente deve ter a compreensão da realidade das comunidades rurais e de suas problemáticas históricas. Como a maioria dos materiais didáticos aplicados nas escolas de todo o Brasil possuem conteúdo voltado para acontecimentos das regiões Sul e Sudeste do País, cabe ao professor a missão de recuperar personagens locais e fatos protagonizados no Norte e Nordeste – como a resistência dos quilombos em Alagoas.

É preciso fazer mais

A operacionalidade dos governos ainda é um entrave para que a Educação no campo alcance as suas metas. Por isso, o projeto que nasceu na Universidade Federal de Alagoas impulsiona discussões sobre políticas fundiárias, legislação e docência. "Uma coisa é o que as pessoas conhecem por meio do senso comum, a outra é o conhecimento científico, sistematizado e buscado pela academia", avaliou Neila.

A professora explica que há uma análise contínua para saber o que o Estado tem oferecido às comunidades rurais e de que forma a legislação tem sido respeitada. Segundo Neila, o grande desafio é a implementação de condições estruturantes por parte do poder público e de um sistema educacional adequado para a realidade do campo.

“Há problemas financeiros e de infraestrutura. Algumas escolas, por exemplo, têm apenas duas salas de aula. Outro desafio é mostrar como a educação escolar indígena pode ser diferenciada, por meio da contratação de professores bilíngues [fluentes no Português e nos dialetos dos povos trabalhados], para fazer valer a lei e para que a língua de cada povo não seja esquecida”, detalhou a docente.

Para as próximas gerações

O projeto visa a pontuar e a reunir informações coletadas em entrevistas realizadas em aldeias e comunidades rurais. O material está em fase de digitalização e servirá de catálogo de fontes para as próximas gerações, além de contribuir com materiais didáticos de História do Brasil. Os dados também serão compilados para CD e DVD, com a finalidade de serem encaminhados às instituições de ensino.

A iniciativa é uma maneira de fomentar a construção do conhecimento e de estabelecer estratégias pedagógicas para as crianças, sem esquecer das tradições e dos rituais das comunidades. Além disso, impulsiona reflexões sobre a diversidade sociocultural e étnica.

"Houve um processo nefasto nas comunidades indígenas, desde a política do ministro de Pombal [no século 18], que implementou a língua portuguesa e proibiu a indígena. Com o tempo, isso transformou-se em um déficit estrutural e trouxe muitas consequências para a contemporaneidade", destacou Neila.

Além de rememorar a identidade dos povos indígenas, quilombolas e rurais, o projeto tem compromisso com atividades de sustentabilidade, práticas de segurança alimentar e agroecologia. "Os projetos dizem respeito ao fato de a Universidade estar estreitamente vinculada à sociedade local, às comunidades e às escolas. Nós percebemos a riqueza da tradição e do conhecimento oriundos desses povos para a formação dos docentes", salientou a pesquisadora.