Carnaval é enredo de pesquisa acadêmica

Estudos do professor Bruno César Cavalcante revelam reflexos de discriminação de classes na Festa de Momo

15/02/2012 08h35 - Atualizado em 14/08/2014 às 10h34
Ilustração de Marcelo Meneses

Ilustração de Marcelo Meneses

Jhonathan Pino - jornalista

Neste sábado (18), tem início a festa mais popular do País. Com o nome originado do latim, carne val, ou "adeus à carne", o Carnaval foi estabelecido pela Igreja como o período que antecede às privações da Quaresma, que são os 40 dias precedentes à Semana Santa, com início na Quarta-feira de Cinzas.

Foi a  partir do Concílio de Trento, em 1545, que a Igreja Católica aprovaria e adaptaria a comemoração, criada pelos gregos como forma de agradecimento à produtividade do solo. Assim, tem início a festa que não é apenas um evento de manifestação de alegria, mas que serve como forma de demonstração dos limites morais e de distensão social em diferentes épocas.

Os romanos inseriram bebidas alcoólicas e práticas sexuais à festa e ela tornou-se mais popular na Itália e na França, com a adoção de bailes de máscaras, fantasias e carros alegóricos, em festas particulares. Em Portugal, o carnaval foi incorporado ao Entrudo, com o tradicional mela-mela de água, ovo e farinha. Conforme Bruno César Cavalcante, professor do Instituto de Ciências Sociais e estudioso da Festa de Momo, tudo isso foi incorporado no Brasil com a volta dos jovens colonos, após terem contato com a comemoração nos países europeus.

Há anos o professor estuda a história, as influências e o impacto do carnaval em Alagoas. Conforme o pesquisador, “há bem mais influência europeia do que africana em nosso carnaval remoto. A marca afro-brasileira no nosso carnaval somente se destacou durante a fase republicana, não sendo diferente em Alagoas”.

Ele relata que no século 19, o carnaval tornou-se símbolo de expressão civilizatória, de distinção de classe e de cultura, “uma exibição de europeísmo pelos jovens brasileiros”. Mas logo, a festa seria assimilada pelas classes pobres do país, que a partir de manifestações populares, em blocos de rua, tornaria a festa um símbolo de grosseria e resquício de uma sociedade pré-moderna para a comportada sociedade brasileira.

O carnaval em Alagoas

A população negra alagoana também passou a adotar o carnaval e inserir seus batuques na festa, mas logo fora perseguida e vistos com maus olhos pela sociedade alagoana que presenciou a Quebra do Xangô, ocorrido em 1912, quando praticantes das religiões africanas foram torturados e obrigados a deixar de praticar seus cultos.

“É preciso esclarecer que o evento do Quebra não ocorreu para sufocar o Carnaval, para causar rupturas no tipo de festa carnavalesca que tínhamos. Isso foi consequência, foi seu efeito perverso,  mas não a motivação central”, explica o professor.

“Já do ponto de vista dos mais pobres, que em boa parte também era de negros, o evento do quebra foi marcante, traumatizante e repressor da expressividade cultural, inclusive na festa carnavalesca, onde isso se dava por meio da música percussiva que, obviamente, remetia à ambiência cultural, que foi duramente combatida em 1912”, acrescenta Bruno César.

O professor ressalta que o Quebra não significou uma ruptura da festa em Alagoas, mas um certo “retorno à normalidade". Ele ainda relata que houve outros momentos em que a festa foi marcada por separações de classes, “um deles parece ter sido a retirada do carnaval popular e de rua do Centro de Maceió, da área comercial da cidade, nas décadas de 1960 e 1970. Foi o início de uma separação social entre os que aderem ao carnaval de rua em Maceió. Foi o estabelecimento de uma linha imaginária, a separar os mais empobrecidos e os demais cidadãos, em matéria de carnaval”, explica.

Segundo o pesquisador, nem tudo foi desarmonia e não foram poucos os bons momentos da festa em Maceió. “Há uma espécie de Idade de Ouro do carnaval dos clubes de Maceió, assim como do carnaval popular e de rua. Desse último, é possível afirmar que seu auge ocorreu entre as décadas de 1930 e 1960. Esse foi um período de absoluto predomínio do frevo, nas ruas, das marchinhas e do frevo canção nos bailes de clubes”, detalha Bruno.

O professor ainda relatou que as pessoas utilizaram o carnaval por muito tempo, tanto como possibilidade de usufruí-lo economicamente, com a oferta de bens e serviços, como também da oportunidade de ascensão social. “Digo mais, uma das funções que tem o carnaval é oferecer projeção social aos seus heróis, digo, aos seus fazedores. De ricos a pobres, isso é algo que as pessoas buscam”, diz.

Ele destaca que apesar de ter feito pesquisas na área e orientado alguns trabalhos abordando o carnaval, utimamente foca os estudos em outros temas e, por isso, espera que outros pesquisadores possam ampliar o conhecimento sobre esse objeto cultural.

Saiba mais sobre o Quebra de Xangô.